Yukio Mishima - O Hagakure e a Educação dos Filhos



A educação dos filhos

Embora a Inglaterra e os Estados Unidos sejam sociedades anglo-saxônicas, educam seus filhos de maneiras diferentes. De acordo com a criação tradicional das crianças inglesas, elas raramente podem aparecer na presença de adultos e, quando isso acontece, devem permanecer absolutamente silenciosas. Além disso, não devem interromper a conversa dos adultos, falando entre si. O silêncio é imposto à criança como parte do treinamento social e ela deve submeter-se a fim de estar preparada para falar como um cavalheiro, mais tarde.
De acordo com a maneira americana de criar os filhos, estes devem participar ativamente nas conversas, como parte de seu treinamento social. Os adultos ouvem as conversas das crianças; adultos e crianças conversam entre si, e espera-se com isso, que a criança expresse, desde tenra idade, a sua opinião, orgulhosamente.


Não me cabe dizer qual dessas duas abordagens da educação infantil é correta. Permitam-me, porém, citar o que o Hagakure tem a dizer sobre o assunto:

“Há uma fórmula estabelecida para educar um filho de samurai. Na infância, sua coragem é estimulada, e não se deve jamais ameaça-lo ou engana-lo. Se, mesmo em criança, ele sofrer de ansiedades ou medos, esse defeito será uma mácula que levará até o túmulo. Não se deve permitir que a criança tenha medo de trovão por descuido dos pais, ou ser proibida de entrar no escuro, sendo má política contar-lhe histórias atemorizantes para mantê-la calada quando chora.
Por outro lado, se for repreendido com demasiada severidade quando criança, transforma-se-á num adulto tímido e introvertido. De qualquer modo, deve-se ter cuidado para que não adquira maus traços de caráter. Uma vez adquirida uma tendência infeliz, não livraremos dela a criança, por mais que a repreendamos. Na maneira de falar e nos modos, deve-se levar a criança a um entendimento geral do que é adequado, e ela não deve conhecer nunca desejos vulgares. Todos os outros pontos são menos importantes, já que a maioria das crianças normais, saudáveis, crescerão de qualquer modo, a despeito de sua educação. É certamente verdade que os filhos de casamentos infelizes serão carentes de devoção filial. Até mesmo os pássaros e os animais são influenciados pelo que vêem e ouvem desde o momento em que nascem; devemos ser extremamente cuidadosos com o ambiente da criança. Algumas vezes as coisas correm mal entre pai e filho devido à tolice da mãe. Se a mãe gosta irracionalmente do filho e toma sempre seu partido quando o pai tenta repreendê-lo, está formando uma conspiração com o menino, que provoca maior atrito entre ele o pai. Conspirar com o filho contra o pai é, ao que parece, o resultado da falta natural de objetivos da mulher, e de seu cálculo de que, conquistando o favor do filho quando ainda criança, ela assegurará o seu bem-estar no futuro.”

O método de educação de Jocho tem surpreendente semelhança com o ideal de educação livre e natural, exposta no Emile, de Rousseau. Eu poderia lembrar que o ano em que o Hagakure, iniciado em Hoei sete [1710] começou a circular em manuscrito foi o de 1711, o mesmo em que Rousseau nasceu.
O que Jocho defende não é simplesmente uma educação espartana; ele ressalta a importância de evitar que a criança desenvolva o medo da natureza, de evitar reprimendas excessivas. Se as crianças puderem crescer livremente num mundo delas, sem serem ameaçadas ou castigadas indevidamente pelos pais, não se tornarão covardes nem introvertidas. É interessante notar que o Hagakure cita um caso específico, em termos aplicáveis ao presente. Também hoje, são evidentes em toda parte as mães que amam os filhos de maneira pouco sensata e tomam o partido deles contra os pais, disso resultando uma relação desarmoniosa entre pai e filho. Especialmente hoje, com o declínio da autoridade paterna, o “filhinho da mamãe” tornou-se cada vez mais comum e houve um aumento dramático no número daquilo que os americanos chamam de “tipo de mãe dominante”. O pai é esquecido, e a rigorosa instrução samurai que deveria ser transmitida de pai a filho é totalmente negligenciada (na verdade, já não há nada a ser transmitido), e até mesmo para a criança o pai é reduzido a uma máquina que traz para casa o pagamento. Não há elo espiritual entre eles. A feminização dos homens é um objeto comum de crítica, hoje. Mas devemos compreender que o enfraquecimento do papel paterno se está processando num ritmo igualmente alarmante.

Fonte: Trecho retirado do livro "Hagakure - A Ética Samurai e o Japão Moderno".

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