O Homem e a Morte: O Bushido e a Morte - Parte 10


"Um samurai deve antes de tudo ter sempre em mente, dia e noite, desde a manhã de ano-novo, quando pega seu hachi para tomar café, até a noite do último dia do ano, quando paga suas faturas, o fato de que um dia irá morrer. Essa é sua principal tarefa. Se ele está plenamente consciente disso, poderá viver no Caminho da Lealdade e do Dever Filial, evitará muitas adversidades, irá manter-se livre da doença e da desgraça e, além disso, terá uma longa vida. Também terá uma personalidade diferenciada e com muitas qualidades admiráveis. Pois a existência é tão impermanente como o orvalho do entardecer e a geada da manhã: a vida do guerreiro é especialmente incerta. E se ele pensa em que consolar-se com a idéia de trabalhar permanentemente para o seu senhor, ou dedicar-se perpetuamente a seus familiares, pode acontecer algo que faça com que ele descuide dos seus deveres e obrigações perante a sua família. Mas, se ele decide simplesmente viver o hoje, sem preocupar-se com o amanhã, de modo que quando está diante de seu senhor para receber suas ordens pensa nelas como se fossem as últimas, e quando contempla o rosto dos seus parentes sente como se nunca mais fosse vê-los de novo, seu dever e consideração serão completamente sinceros, ao mesmo tempo, sua mente estará concordando com o Caminho da Lealdade e do Dever Filial.


Mas, se não é mantida a idéia de morte em mente, será descuidado e suscetível de ser indiscreto e dizer coisas que ofendem os outros; pode gerar uma discussão e, se não for prestar atenção, é capaz de enfurecer-se, produzindo uma disputa que poderia acabar em uma briga. Além disso, se passeia por lugares de descanso e contempla as paisagens em paradas muito concorridas, sem o devido cuidado, pode deparar-se com algum insensato e ver-se envolvido em uma disputa sem se dar conta; inclusive poderá ser morto, misturando em sua morte o nome do seu senhor e expondo à reprovação pública seus pais e parentes.
E toda essa infelicidade surge por não ter a morte em seus pensamentos permanentemente. Mas quem o faz, tanto se estiver falando por si mesmo como respondendo pelos demais, considerará atentamente, como corresponder a um samurai, cada palavra pronunciada e nunca estará envolvido em discussões inúteis. Não permitirá que ninguém o induza enganosamente a seguir caminhos inadequados, nos quais poderia deparar-se com situações desagradáveis, assim evitando calamidades. Independentemente da posição social e financeira que possuem, se não se lembram de ter em mente a morte, são suscetíveis a cometer excessos doentios com a comida, o vinho e as mulheres, podendo morrer inesperadamente jovens, com enfermidades nos rins e baço; além disso, enquanto se encontram doentes não são úteis a ninguém. Mas, aqueles que têm sempre a morte em mente são fortes e saudáveis quando jovens e, prestando atenção à saúde e sendo moderados com a comida, com a bebida, evitando o caminho das mulheres e usando a moderação e a privação em tudo, permanecem livres de doenças e vivem uma saudável e longa vida.
Mas quem vive uma longa vida neste mundo pode desenvolver todos os tipos de desejos, e sua cobiça pode aumentar a tal ponto de querer  o que é do outro e, ao não poder suportar e conformar-se com o que possui, converte-se de fato em alguém semelhante a um simples comerciante. Mas se um homem está sempre olhando a morte de frente, terá pouco apego às coisas materiais e não demonstrará essas características de cobiça e avidez, adquirindo, como disse anteriormente, uma personalidade notável. Falando da meditação sobre a morte, Toshida Kenko diz, em Tsurezure-Gusa, que o monge Shinkai costumava sentar-se no do dia para reflexionar sobre seu último fim; esta é, sem dúvida, uma atitude muito adequada par ama pessoa que se retira do mundo, mas não para um guerreiro, já que este teria de se descuidar de suas obrigações militares e do caminho da lealdade e piedade filial, enquanto que, ao contrário, deve estar constantemente ocupado em assuntos públicos e privados. Mas, sempre que tiver um pouco de tempo para si e consiga estar tranqüilo, não deve deixar de voltar a pensar sobre esta questão (a morte), refletindo cuidosamente sobre ela.
Por acaso não está escrito que Kusunoki Masashige renunciou a seu filho Masatsura para manter sempre diante dos seus olhos a possibilidade de morrer? tudo isso faz parte da formação de samurais." [Bushido, Daidoji Yuzan, Madras, Pág. 9-11]

"Assim, o fato de o samurai estar sempre acompanhado de sua espada faz com que ele não se esqueça do espírito de ofensiva. E, ao fazê-lo, sua mente se fixa firmemente na morte. Mas o samurai que não mantém esse espírito de ofensiva, mesmo que leve uma espada à cintura, é apenas um lavrador o comerciante disfarçado de guerreiro." [Bushido, Daidoji Yuzan, Madras, Pág.  22]

"E tantos os que caíram e não deixaram nenhum nome como aqueles cujas façanhas são famosas através dos tempos, sentiram a mesma dor quando suas cabeças foram cortadas pelo inimigo. Consideremos este assunto. Visto que um samurai tem de morrer, sua meta deve ser a de levar adiante alguma grande façanha de valor que possa assombrar amigos e inimigos, e fazer com que sua morte seja lamentada por seu senhor e comandante, deixando atrás de si um grande nome para as gerações posteriores. Muito diferente é o destino do covarde, que é o último a atacar e o primeiro a retirar-se e que, em um ataque a uma fortaleza, utiliza seus companheiros como escudo contra os disparos dos inimigos. Alcançado por uma flecha, cai e tem uma morte comparada a de um cachorro, podendo inclusive ser pisoteado por seu próprio bando. Essa é a maior desgraça para um samurai, e nunca deve ser esquecida, e sim considerada seriamente, dia e noite." [Bushido, Daidoji Yuzan, Madras, Pág.  67-68]

"Nas palavras dos sábios também está escrito que quando um homem está a ponto de morrer, suas palavras devem ser de tal natureza que, no mínimo, sejam justas. Assim deve ser o final de um samurai: é bem diferente daquele que nega sua própria doença, preocupando-se com a morte; daquele que se alegra se os outros lhe dizem o quanto melhorou e não gosta que lhe digam que está piorando; existe também aquele que procura todos os médicos possíveis, uma grande quantidade de orações e serviços inúteis, colocando-se em uma situação de agitação e nervosismo. E, conforme vai piorando, não diz nada a ninguém, igualando-se a um gato ou cachorro. isso acontece porque não manteve a morte perante os seus olhos, como recomendei que fizesse no primeiro capítulo, e sim a máxima distância dela, como se fosse um grande azar, preferindo pensar que viverá para sempre, agarrando-se à existência. Quem entra em uma batalha com esse espírito covarde provavelmente não terá uma morte gloriosa; assim, quem valoriza o ideal do samurai deve prever que sabe como morrer adequadamente." [Bushido, Daidoji Yuzan, Madras, Pág.  78-79]

"O samurai deve ter um elevado cuidado com a sua saúde, preocupado em não prejudicá0la comendo e bebendo em excesso ou mantendo relações sexuais; tampouco deve considerar a morte no leito de casa como um final apropriado." [Bushido, Daidoji Yuzan, Madras, Pág.  87]

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