O Homem e a Morte: Seppuku - Parte 11
História
Seppuku se desenvolveu no século XI. A partir dos anos 1400, o seppuku evoluiu para uma forma comum de pena capital para samurais que cometeram crimes. Em cada caso, foi considerado um ato de extrema bravura e auto-sacrifício que encarnava Bushido, o código guerreiro do samurai.
Minamoto Tametomo, o maior arqueiro da Japão, em 1156, após encontrar-se no lado perdedor do conflito do clan, foi exilado em uma ilha remota e os vitoriosos enviaram um esquadrão para mata-lo. Em um ato final de bravura, ele disparou várias flechas contra os barcos de seus inimigos, uma das flechas chegou a afundar uma embarcação, porém muitos barcos se aproximavam e Tametomo sabia que seu destino estava selado. Determinado a não morrer nas mãos dos inimigos, ele se afastou da margem e tirou a própria vida de forma extremamente violenta. Ele ficou uma lamina no lado abdômen e cortou na horizontal. Então, fez um segundo corte de cima para baixo. Assim, garantindo uma morte lenta e agonizante. O ato foi tão incrivelmente doloroso e exigiu tamanha coragem que serviu como prova que estava tirando a própria vida para preservar a honra, não por covardia. Tametomo não foi o primeiro samurai a tirar a vida desta forma, mas o seu nome é o primeiro associado ao ato.
Acredita-se que o primeiro seppuku tinha sido realizado durante o período Heian por Minamoto no Yorimasa, um exímio guerreiro e poeta, além de comandante do exército do clã Minamoto durante as Guerras Genpei (1180 a 1185).
Foi durante o período Edo que a concepção do seppuku mudou e evoluiu para uma forma mais ritualística e formal separadas em alguns tipos.
Etimologia
A diferença entre as seppuku e harakiri é puramente etimológica. As palavras harakiri (腹切り "ventre" + "cortar") e seppuku (切腹) são escritas com os mesmos caracteres kanji; contudo em ordem inversa e com leitura distinta. Harakiri utiliza a leitura kun-yomi (de origem japonesa) e seppuku a leitura on-yomi (de origem chinesa).
"Por norma considera-se harakiri como um termo de uso vulgar, mas isso é um erro. Harakiri é a leitura japonesa dos caracteres em kun'yomi; e desde que se tornou comum preferir a leitura chinesa em documentos oficiais, apenas o termo seppuku é utilizado por escrito. Assim, harakiri é o termo oral e seppuku o termo escrito que designam um único acto."
Como era feito o seppuku
Havia duas formas de seppuku: o voluntário e o obrigatório.
O seppuku voluntário evoluiu durante as guerras do século XII como um método de suicídio usado com freqüência por guerreiros que, derrotados na batalha, optaram por evitar a desonra de cair nas mãos do inimigo. Um samurai também realizava seppuku voluntário para demonstrar lealdade a seu senhor, seguindo-o na morte, para protestar contra alguma política de um superior ou do governo, para expiar o fracasso em seus deveres, etc.
Já o obrigatório era quando o samurai cometia algum crime ou era condenado por algo. Neste ultimo havia uma cerimonia ritualística bem arquitetada para o seppuku.
Motivos para cometer seppuku
Junshi: envolvia cometer o seppuku para seguir o senhor na morte. O último exemplo famoso foi o do general Nogi Maresue em 1912, após a morte do imperador Meiji.
Kanshi: Suicídio por meio de desconstrução. Não foi comum. Ele envolvia matar-se afim de argumentar a um senhor quando todas as outras formas de persuasão haviam falhado. Talvez o exemplo mais conhecido disso seja o de Hirate Nakatsukasa Kiyohide (1493 - 1553), que cometeu suicídio para fazer com que um jovem e irreverente Oda Nobunaga mudasse de atitude.
Sokotsushi: Aqui, um samurai se mataria como uma maneira de fazer as pazes por alguma transgressão. Esta é possivelmente a razão mais conhecida para o seppuku, e talvez tenha sido popularizada longe de proporção à sua frequência. Um exemplo bem conhecido envolve o general de Takeda. Yamamoto Kansuke Haruyuki (1501 - 1561), que se lançou no inimigo depois que seus planos colocaram seu senhor em grave perigo. Gravemente ferido, ele se retirou da briga e cometeu suicídio.
Cerimonia do seppuku
A cerimonia do seppuku era feito por samurais criminosos ou condenados por algo e era ma cerimonia bem elaborada e executada na frente de espectadores. Se o samurai cometesse algum crime e fosse condenado ao seppuku, tudo começaria com sua admissão de culpa. Após isso a cerimonia era agendado para o guerreiro.
O samurai tinha um assistente para o ritual chamado kaishakunin (介错人). Ele devia escolher quem iria ser seu kaishakunin. O kaishakunin auxiliava no ritual com a função de decapitar o samurai após ele ter completado sua parte e rasgado o ventre. Isto tinha por finalidade evitar a angústia prolongada durante o ritual, tanto por parte da vítima como dos espectadores.
O ritual era geralmente realizado na presença de uma testemunha (kenshi) enviado pela autoridade que emite a sentença de morte.
O condenado ia para um dojo, jardim ou local preparado para a cerimônia e era acompanhado por uma pequena plateia. Seu corpo era lavado para purificar o corpo e a alma, lhe davam um kimono branco usado para a morte chamado shini-shōzoku ("Shini" significa "morte" e "shozoku" significa "traje", portando "traje da morte"), depois serviam a ele sua última refeição.
Quando ele terminava a refeição, sentado na posição seiza - ou seja, ajoelhado, mantendo as costas retas e apoiando as nádegas nos calcanhares - em um tatame, colocavam outra tábua de madeira chamada sanbo com duas doses de saquê, papel, uma pena e uma espada curta chamada tanto, embrulhada em papel washi. A espada, porém, era dada apenas para aquele que não eram considerados uma ameaça.
Espada tanto, com papel washi embrulhado, colocada sob uma mesa sanbo para a ritual cerimonial.
O condenado tinha que beber duas doses de saquês em dois goles cada uma, totalizando quatro goles. Ele bebia o saquê segurando o copo com a mão esquerda. O primeiro gole representava a ganância e os outros três a hesitação. Ao todo, os quatro goles representavam a morte (shi) - tanto o número quatro quanto a palavra morte são "shi" em japonês.
Após a bebida o samurai devia escrever um jisei. Um poema que registraria seus últimos pensamentos para a posteridade e tinha um padrão fixo de rimas. Era esperado que o poema fosse gracioso e sem qualquer menção a sua morte.
General Akashi Gidayu prepara-se para cometer seppuku pelo seu mestre, após este ter perdido uma batalha em 1582. Observa-se que Akashi acabara já de escrever o seu poema de morte, parte do qual é visível no canto superior direito. Ilustração de Tsukioka Yoshitoshi.
Por fim, o samurai cometia o seppuku. Ele era sempre feito no fim da tarde, ao cair do sol, em uma tenda posicionada em meio a um jardim ou na entrada de um templo budista. O samurai saía do aposento onde estava isolado e passava sozinho por um corredor, caminhando lentamente, de cabeça erguida, sob o olhar de seus colegas samurais. Na tenda, o condenado, sentando na posição seiza em uma almofada ou tatame, prendia as mangas do kimono sob os joelhos para permitir que a queda se dê para a frente, prevenindo, assim, uma queda para trás ou para o lado, consideradas posições indignas, e retirava a parte superior do seu kimono e a repousava sobre os joelhos.
O seppuku era horrivelmente doloroso, mas o samurai, de acordo com o seu código de honra, não podia demonstrar dor ou medo ao realizá-lo.
O Kaishakunin ficava atrás do guerreiro. Ele pegava água de um balde de madeira com uma hishaku (concha de bambu) e lavava a lamina da sua espada derramando a água sobre ela.
Balde de madeira Teoka (手桶) e cocha para pegar água hishaku.
Quando o condenado rasgava o ventre o kaishakunin decapitava-o, poupando-o de mais sofrimento, e terminava o seppuku. A manobra deveria ser feita na forma conhecida como Dakikubi (抱首, lit. "pescoço abraçado"), na qual o corte tinha que manter uma porção fina da carne prendendo a cabeça. Um bom kaishakunin não devia decapitar completamente o samurai. A cabeça tinha que se manter presa pela pele do pescoço para que não respingasse sangue ou a cabeça saísse rolando pelo chão. Geralmente, o dakikubi ocorria assim que a adaga era ficada no abdômen.
Se o samurai se dirigisse ao kaishakunin antes ou durante a cerimônia, a resposta padrão dele seria "go anshin!" (mantenha a mente em paz).
Após o seppuku a mesa era descartada por estar infectada com a morte. O corpo do samurai era retirado do local e cremado. O poema escrito por ele era guardado e passava a fazer parte do acervo do shogun. A faca era descartada, por estar contaminada pela morte. E o local era lavado com cuidado para garantir que estivesse impecável para o próximo ritual.
Jumonji Giri
Jumonji Giri é outra função de seppuku, mas muito pior. Ela é considerava a mais dolorosa de todas. No jumonji giri após perfurar o abdômen e realizar o corte horizontal, o samurai fazia outro corte onde perfurou o abdomên só que dessa vez na vertical, formando uma especie de "L", e sentava-se em silêncio até morrer. E não havia decapitação!
Proibição do Seppuku
O Junshi (殉 死 , "seguindo o senhor na morte") - seppuku cometido por um samurai pela morte de seu mestre, afim de segui-lo na morte - foi proibido pelo shogunato em 1661 e já tinha sido proibido por alguns clans anos antes. Para evitar que o samurai fizesse isso, sua família seria punida e cairia em desonra se ele se matasse.
Seppuku como punição judicial foi abolida em 1873, logo após a Restauração Meiji, mas o seppuku voluntário não desapareceu completamente. Sabe-se que dezenas de pessoas cometeram seppuku desde então, incluindo o general Nogi e sua esposa pela morte do imperador Meiji em 1912, e vários soldados e civis que optaram por morrer em vez de se render no final da Segunda Guerra Mundial.
Ultimo seppuku
O ultimo seppuku foi feito pelo escritor Yukio Mishima em 25 de novembro de 1970.
Em 1970, ele e seus quatro homens de tatenokai invadiram um posto avançado das Forças de Autodefesa do Japão em Tokyo. Mishima encorajou as tropas na base a se levantarem para restabelecer a constituição imperial. Porém, sua tentativa de reerguer seu país nas chamas das suas tradições e reestabelecer o imperador como figura central e divina foram fracassadas e Mishima, insultado pelos soldados que o ouviam, cometeu o seppuku ali mesmo. Seu kaishakunin, contudo, não conseguiu arrancar sua cabeça, um segundo homem de Mishima teve que fazê-lo. O soldado vendo que falhou com Mishima cometeu seppuku também.
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