Seneca - Você está vivendo ou gastando seu tempo?

dezembro 20, 2020 , , 0 Comments


"É possível que todos os talentos que alguma vez brilharam nisto concordem unânimes: nunca ficarão estupefatos o bastante diante dessa turvação das mentes humanas. Não toleram que suas propriedades sejam ocupadas por ninguém e, se há uma pequena disputa sobre a medida de seus limites, recorrem a pedras e armas; já em suas vidas consentem que outros se instalem, e até mesmo introduzem eles próprios os que vão ser os possessores dela.

Não se encontra ninguém que queira repartir seu dinheiro; já sua vida, quanto cada um a distribui entre muitos! São mesquinhos na retenção do patrimônio; mas, tão logo se trate de gastar tempo, são extremamente pródigos com a única coisa em relação à qual a avareza é honrosa. Eu gostaria de abordar uma pessoa dentre as mais idosas da seguinte maneira: 'Vemos que tu chegaste a um estágio avançado da vida humana, pesam-te nas costas cem anos ou mais. Vamos, faz o cômputo de tua existência: calcula quanto desse tempo um credor, quanto uma amante, quanto um rei, quanto um cliente te subtraiu, quanto uma desavença conjugal, quanto o castigo dos escravos, quanto o obrigatório ir e vir pela cidade; acrescenta as doenças que nos causamos por nós mesmos, acrescenta também o tempo que se perdeu sem uso: verás que tu tens bem menos anos do que enumeras. Repassa na memória, sempre que estiveste seguro de uma decisão tua, quão poucos dias decorreram tal como havias planejado, em que momento estiveste disponível para ti, quando tua face manteve expressão normal, quando tua alma se manteve impassível, que obra realizaste em uma vida tão longa, quantas pessoas saquearam tua vida sem que tu percebesses o que perdias, quanto te subtraiu uma tristeza inútil, uma alegria tola, uma cupidez voraz, uma conversa fútil, quão pouco te foi deixado do que era teu. Compreenderás que estavas morrendo prematuramente'. Qual é então a causa disso? Viveis como se sempre havereis de viver, nunca vos ocorreu vossa fragilidade, não observais quanto tempo já transcorreu. Desperdiçais como se de uma fonte plena e abundante, quando, nesse ínterim, exatamente aquele dia que é doado a uma pessoa ou a uma tarefa talvez seja o último. Tendes medo de tudo como mortais, desejais tudo como imortais. Tu vais ouvir muitos dizendo assim: 'A partir dos cinquenta anos vou me retirar, aos sessenta me liberarei de minhas obrigações'. E quem tomas como fiador de uma vida tão longa? Quem irá aceitar que as coisas se passem tal como dispões? Não te envergonha reservar para ti essas sobras de vida e destinar ao aprimoramento da alma apenas esse tempo que não poderias empregar em mais nada? Quanto é tardio começar a viver só quando é hora de terminar! Que estúpido esquecimento da condição mortal adiar para os cinquenta e os sessenta anos as decisões sensatas, e então querer começar a vida num ponto até o qual poucos chegaram!"


Fonte: Seneca, Sobre a Brevidade da Vida, Editora Penguin, Pág 11-13

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