Charis D'Cruz | O Homem e a Morte: Doença - Parte 5

março 12, 2020 , , 0 Comments


Homens medíocres e fracos temem profundamente a morte. Mas você verá que todos os homens que anseiam a morte e não a temem, tem medo de algo. Eles temem, não a morte, mas doenças graves. Eles temem ficar inválidos física e mentalmente.

Em uma entrevista da BBC, um brasileiro, que ficara muitos anos em uma guerra, foi questionado sobre o medo da morte e ele disse:

"Não tenho medo de morrer. Tenho medo de me ferir gravemente, ficar inválido e não morrer. Já pensou viver o resto da vida em uma cama? Como aconteceu com o 'Super-Homem' (o ator Christopher Reeve, que ficou tetraplégico após cair de um cavalo), que ficou em estado vegetativo? É muito mais sofrimento. Se acontecer de ter que morrer, vai ser coisa rápida. Não vai ter muita dor, dependendo do ferimento". (BBC, 25 de julho de 2018, O paulista que trocou a vida no interior por linha de frente na guerra na Ucrânia https://www.bbc.com/portuguese/geral-44816555)


Algo semelhante foi dito também pelo escritor japonês Yukio Mishima considerado o ultimo samurai. Em uma entrevista em 1966 para a NHK Television lhe foi questionado a mesma coisa. Ele respondeu:

"Se eu fico doente, eu tenho medo de morrer. Eu odeio sobretudo a ideia de ficar adoecido de câncer, é assustador pensar nisso."

É como diz aquela frase: "há coisas piores que a morte". E estes homens sabem disso. Eles tem noção de que a morte é algo natural, que pode ser indolor, ou mesmo que se doer vai ser rápido.

Eu, talvez, não tema uma doença grave, pois penso que definharei, mas logo morrerei. Todavia, eu temo ter que viver inválido por um longo período. Uma vida sem poder se movimentar ou pensar não é uma vida. Isso é uma pessoa morta, mas que ainda não foi enterrada.

Lembro da minha querida avó que de repente foi atingida por várias doenças e uma delas foi o Alzheimer. Ela veio da sua cidade para a minha para fazer exames e ser tratada e ficou na minha casa enquanto isso. Nesse período eu vi ela piorando cada vez mais. Chegou a um ponto que ela não reconhecia a própria filha. Quando isso aconteceu eu vi a tristeza da minha mãe. Vi seus olhos se encherem de lágrimas. Ela já não se lembrava de mais nada e cada vez mais a memória dela diminuía. Ela esquecia que estava em nossa casa, esquecia onde ficava o banheiro, em frente a pia ela perguntava onde ficava a pia - sendo que ela toda hora perguntava isso -, ela ia fazer algo e alguns segundos depois ela esquecia o que ia fazer. Eu não mais reconhecia a minha avó. Não parecia que ela existia mais. Eu sentia como se ela tivesse morrido a muito tempo e ali fosse somente um zumbi, algo assim. Não sei explicar.

Uma vez achei que ela ia morrer. Ela tossia muito - parecia ter se engasgado - e minha mãe desesperada chorava e tentava fazer algo e implorava dizendo "por favor, não morra aqui em minha casa". Além do Alzheimer ela tinha muitas outras doenças que iam lhe corroendo. Minha avó estava em um estado deplorável. Pouco tempo depois ela morreu. Muitas pessoas vieram me dar os pêsames e achavam que eu estava muito triste, mas não. Minha avó tinha morrido e eu estava feliz. Lembro que meu amigo não entendeu isso e perguntou como eu estava feliz por minha avó ter morrido. Eu lhe respondi que ela estava sofrendo muito, mas que agora ela estava finalmente descansando em paz. Que eu estava feliz por que agora ela não mais sentia dor e poderia repousar no Céu. Meu amigo pareceu me entender, mas ele ainda parecia ver a morte como algo ruim, algo não-natural. Com essa experiência eu aprendi que a morte poderia ser libertadora e que ela não era tão ruim. Isso me ajudou a vê-la como algo natural. E eu percebi que havia coisas piores que a morte - e essa era uma delas.

Hoje eu receio mais do que qualquer coisa ter problemas de memória. Receio não me lembrar mais de quem eu sou, do que eu fiz, não me lembrar mais de nada. Alguém sem memória ainda continua sendo ele? Não! É só uma casca vazia de algo que costumava existir. A pessoa que ainda ali existia não mais existe. Uma pessoa assim é só um zumbi ambulante. Um morto-vivo. Isso tem me levado a crer que uma pessoa é suas lembranças e memória.

Talvez tenha sido essa experiência que despertou o desejo em mim de morrer jovem. Eu não penso de forma alguma em morrer velho. Se acaso eu venha a ficar velho, sem memória, doente, inválido, moribundo, ser um estorvo para meus familiares, eu prefiro que me matem logo.

Texto por: Charis D'Cruz
Outras Partes: 
O Homem e a Morte - Parte 1
O Homem e a Morte: A Aptidão- Parte 2
O Homem e a Morte: A Ilusão - Parte 3
O Homem e a Morte: A Escolha - Parte 4
O Homem e a Morte: Doença - Parte 5
O Homem e a Morte: O Medo Repentino - Parte 6

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