Charis D'Cruz | O Homem e a Morte: O Medo Repentino - Parte 6

março 26, 2020 , , 0 Comments


Quando vemos alguém próximo morrer de maneira violenta ou brutal o medo da morte pode preencher nosso corpo. Tudo depende do nosso espírito. Lembro de um tempo que estava na faculdade e eu simplesmente não me importava com nada. Eu estudava em um lugar perigoso e ainda por cima a noite. Também não havia segurança e a iluminação era horrível. Todos tinham medo do trajeto, mas eu simplesmente não tinha medo. Eu não ligava para nada. Eu adorava caminhar lentamente por aquele caminho escuro, longo, e aterrorizante, ainda mais quando eu saia muito tarde da faculdade e não havia uma alma sequer na rua. Eu adoro essa sensação. Lembro que tentaram me assaltar uma vez. O sujeito esperou eu chegar perto - eu de longe já imaginei que ele fosse tentar me assaltar - retirou uma arma da caixa que ele estava segurando, apontou para mim e mandou eu lhe entregar meu celular - eu nem tinha - ou ele iria me matar, eu disse "então, mate!" enquanto passava direto por ele. Ele assustou-se. Eu o entre-olhei depois de passar por ele e com medo ele me disse que estava brincando. Talvez ele fosse apenas um aproveitador com uma arma falsa tentando assaltar pelo medo - mas não creio de forma alguma que ele estava brincando -. O fato é que eu percebi o poder que alguém que não tem medo de morrer tem.


Porém, um dia ouvi a noticia de que um professor havia morrido. Assaltaram ele na porta da faculdade, mas ele recusou-se a entregar o celular aos ladrões e lutou contra eles. Os assaltantes então o balearam. Eu fiquei imaginando ele lá no chão estirado, com o peito todo perfurado, sangrando até morrer e tudo por causa de um celular. Quando criança já vi isso acontecer - quando voltava da igreja de noite com minha mãe um homem saiu de um beco e atirou em uma rapaz em nossa frente que ficou estirado, sangrando, no chão e depois pessoas o carregaram e saíram correndo em busca de socorro médico - por isso o que imaginei foi bem nítido e real. Realmente não sei o que aconteceu, mas depois disso eu fiquei amedrontado. O medo de morrer novamente tomou conta de mim. Antes em situações de perigo, de vida ou morte, eu conservava meu estado inalterável. Eu respirava normalmente, meu coração batia tranquilamente, meus pensamentos eram claros, eu agia friamente controlando-me, mas naquele período qualquer vulto que eu visse meu coração disparava, minha respiração ficava rápida e desordenada, meus pensamentos ficavam confusos, eu não conseguia me controlar, um pavor tomava conta de mim. Como eu havia passado de um homem destemido, que desafiava e brincava com a morte, para um fraco, um covarde? Até hoje não sei responder a isso, mas talvez isso tenha abalado meu espirito. Penso que é a mesma coisa de quando você tem um grupo que vai se apresentar para a sala, e se o primeiro orador ficar nervoso ao falar, todos os outros se contaminarão por causa dele e ficarão nervosos também, mesmo que não estivessem. Talvez quando você vê mortes em filmes e nos jornais você as vê como algo distante, mas quando a presencia ou a sente profundamente você tem a real noção de como ela é.

A lição que extrai é: tenha seu estado de espirito inabalável e não deixe a morte ser distante a você, mas a sinta todo dia, toda hora, como algo real, como ela realmente é. Tenha em mente sempre que você pode morrer a qualquer momento, por nada, e da forma mais brutal possível - talvez seja por isso que eu fraquejei. Eu estava disposto a morrer, não importando se ia se brutal ou não, demorado ou rápido, esfaqueado ou baleado, o que fosse, mas por algo que valesse a pena, como salvar a minha amiga por exemplo e não por nada, não por um celular, não uma "morte de cachorro" como é dito. E talvez eu tenha afastado a imagem real da morte de mim e me perdi em ilusões -. Tendo isso em mente você conservará seu espírito inabalável.

Em um tempo que havia guerras constantes a morte era algo próximo as pessoas. Não tinha como não pensar nela diariamente. No mundo moderno é difícil ter a morte em mente. São tantas, facilidades, comodidades, prosperidade. Não há guerras mundias ou doenças contagiosas e mortais como a peste negra. As pessoas vivem em total segurança e paz. Tudo isso serviu para vermos a morte como algo distante e tira-la dos nossos pensamentos. É bom se confrontar com situações perigosas e mortais constantemente para ter sempre a morte em mente. Tal como praticar esportes radicais como saltar de paraquedas, bungee jumping, asa-delta, rapel, parapente, rafting, ogo rotorua, etc.

O mesmo aconteceu com os samurais. Eles sempre viveram em constantes guerras por séculos, mas chegou a Era Tokugawa que trouxe um período de paz. Não havia mais guerras e os samurais não eram mais necessários. Os samurais, então, tiveram que encontrar seu caminho. Como viver a partir de agora nessa sociedade pacifica? Qual era o papel deles agora? O que eles deveriam fazer? Qual vida levar? Por isso, eu busquei o ensino dos samurais para tentar encontrar as respostas que eu estava procurando. Para encontrar o meu caminho também...

Texto por: Charis D'Cruz
Outras Partes: 
O Homem e a Morte - Parte 1
O Homem e a Morte: A Aptidão- Parte 2
O Homem e a Morte: A Ilusão - Parte 3
O Homem e a Morte: A Escolha - Parte 4
O Homem e a Morte: Doença - Parte 5
O Homem e a Morte: O Medo Repentino - Parte 6

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